Certas coisas

Com o tempo aprendi que existem coisas na vida, que não podemos explicar, que não precisamos possuir nenhuma verdade, estar certos sempre, nem mesmo concordar com ninguém, somos livres para discordar, dar um passo atrás e viver nossos próprios sonhos, trilhar nosso próprio caminho, tão único é singular, que dificilmente se encaixa dentro dos conceitos pre-determinados de uma sociedade cada vez mais confusa.

Somos diversidades, os nossos pensamentos atuais não nos definem, tudo muda. Aprendi a ser leve é aceitar a imensidão do mundo com humildade, com discernimento, com contemplação, sem querer me apropriar de nada, nem de ninguém.

Aprendi que Deus está em tudo, naquilo que chamamos de bem e também, no que chamamos de mal. No entanto, é mais fácil ver Deus na simplicidade. Eu o vi, varias vezes por aí… vi ele; no jardineiro José que cortava a grama da minha mãe com alegria e dedicação, o vi também, no pescador que jogava sua tarrafa no mar sem grandes pretensões, talvez apenas a pretensão de pegar um peixe maior para o almoço, enquanto devolvia os pequenos para o mar. A alegria de pescar era maior que o resultado da pesca, me lembro que ele disse; que o mar era sua vida, ele falava do quanto era bom ver o sol nascer enquanto estava no mar. Certas coisas, não tem preço…

Eu vi Deus nas crianças brincando nas pracinhas sem pretensão nenhuma de nada a não ser brincar. Existe algo melhor do que brincar despretensiosamente? Eu o vi; no meu cachorro um dia quando acordei de manha e, ele estava dormindo de barriga para cima, enquanto podia ouvir o som magnético de Haydn no rádio ao fundo, enquanto lá fora, o céu amanhecia seus raios de sol incandescentes e mágicos, que só podem ver os que acordam cedo para presenciar o espetáculo da vida. Eu o vi nos mendigos da esquina, sem pressa para nada, sem querer nada, apenas vivendo o momento, rindo a toa, compartilhando alimentos. Eles, não pareciam tão inquietos como a maioria de nós.

Quando vi todas essas coisas, quando olhei ao meu redor e vi tanta gente, correndo e correndo, sabe-se lá atrás do que, estressados, agoniados, cansados, cegos, sem parar, sem pensar, sem questionar. Percebi que Deus esta na diversidade, percebi que não precisamos observar os mendigos, as crianças, os pescadores nem os jardineiros, para ver Deus, precisamos apenas ser simples, ser simples e enxergar que não existe apenas um lado, uma verdade, um caminho. Existe uma entrega, uma entrega ao caminho, ao caminho de cada um. Percebi que aqueles que não pretendem nos convencer de nada é que realmente nos ensinam algo. Percebi que são meus olhos que filtram a beleza subversiva e tantas vezes esquecida. Percebi que a única verdade que quero manifestar é a verdade da poesia, da simplicidade, da inspiração. O resto, é apenas o resto, meu olhar passivo e, ao mesmo tempo, reativo é minha única condição, e todas as verdades alheias, uma abstração, real apenas, para quem as vivência, mesmo que limitadamente. Verdades prontas não encontram razão no meu ser, inquieto, incrédulo e controverso. O estado de poesia é minha razão, o estado de poesia é minha única religião, e o Deus que vejo, é tudo o que vejo.

30595242_164837150846177_1147354973588160512_n

Entregue-se ao caminho

A imprevisibilidade do caminho cria oportunidades de crescimento, temos a mania de querer controlar tudo, de viver hábitos repetitivos dia após dia, de andar pelas mesmas ruas e comer os mesmos pratos, de acreditar nas mesmas coisas que nos ensinaram e não questionar absolutamente nada. Nesse jogo perverso de escravidão voluntaria e comodismo, deixamos sempre a nossa vida em segundo plano. Pensamos que a vida é previsível e composta de tudo aquilo que conseguimos administrar, de tudo aquilo que conhecemos a partir da nossa consciência limitada, no entanto, a vida também está no inconsciente e em tudo aquilo que negamos, simplesmente por desconhecimento.

Consciência e inconsciência, luz e sombras, vida e morte, amor e ódio. Tudo, absolutamente, tudo, tem o seu oposto. A junção dos opostos só pode acontecer através da nossa disponibilidade em compreende-los na totalidade fragmentada do seus atributos. Somos inteiros fragmentados, a nossa missão como alquimistas da nossa própria alma talvez seja; a de estabelecer ligações que estão muito além da vida prática, muito além do “certo“ e “errado“. Somos sempre levados a enxergar o mundo de forma polarizada, a dividir as coisas como sendo “boas” o “más” essa visão das coisas é altamente limitante e não permite uma perspectiva, mas ampla do contexto de ser, e enxergar o mundo.

Quando nos fechamos em crenças limitantes, estamos a abafar a nossa vontade da potência, que nada mais é, que é desconhecido dentro de nós, a capacidade de seguir os nossos sonhos e desejos e assim descobrir o nosso verdadeiro potencial oculto, ou seja, tudo aquilo que vibra intensamente em nós.

A palavra desejo que vem do latim; Desiderium, na sua raiz etimológica significa; “Seguir a sua estrela“ conhecer a direção. Somos levados a crer que os nossos desejos não são importantes, que devemos relegar os nossos maiores anseios e colocar-los em segundo plano ou até mesmo esquecer que eles existem. Dessa maneira, estamos sempre vivendo a vida que nos induzem a viver, seja por conta da sociedade ou mesmo do nosso meio familiar e social. A única forma de se expandir e assim poder unir essas ambivalências é; conhecendo-nós profundamente, ouvindo e considerando os nossos desejos, deixando sempre uma porta aberta para o inesperado, para o novo. Somente a nova experiência é que pode trazer um aumento da consciência. O comodismo em relação a uma crença o, a um habito, encarcera os nossos sentidos. A razão pode até iluminar o caminho, porém, a razão também nos deixa estagnados, parados, recolhidos e com medo. Os desejos, pelo contrário, falam muito mais de nós mesmos do que razão. Os desejos ao contrario da razão, nos fazem transitar nesse caminho desconhecido, que tantas vezes omitimos de nós mesmos. Seguir os desejos nos permite além de encontrar o próprio caminho, encontrar uma nova direção, muitas vezes, inesperada e não premeditada. Podemos abandonar os desejos e continuar “seguros“ no caminho da razão, porém, as respostas serão sempre as mesmas, o nosso potencial continuara encarcerado e em consequência disso, seremos dirigidos sempre —a seguir caminhos que não são os nossos. Ao deixar de ouvir-nos na nossa totalidade, nunca saberemos onde poderíamos ter chegado, ou talvez, devêssemos chegar.

Ser completo e ser ambivalente, somos “muitos“ e portanto, incompletos na nossa fragmentação, vivemos para aprender a “ser“ em um sentido mais completo e unificado. É muito mais fácil andar por caminhos antes percorridos, um novo caminho traz sempre novos desafios e também novas descobertas. Entregar-se ao caminho é entregar-se a vida de maneira selvagem e natural, deixando de viver apenas as imposições do mundo externo, para compreender melhor as imposições do mundo interno e assim, complementar os opostos, trilhando o caminho por conta própria, estando aberto ao desconhecido que vive em nós. No caminho do autoconhecimento, a vida nem sempre será um mar de rosas, no entanto, o que faz a vida valer a pena é justamente todo o seu potencial desconhecido, é o fato de intuir que somos muito mais do que conhecemos, e isso já é muito libertador. Experiencias consideradas como boas ou ruins podem surgir a partir dessa abertura para o desconhecido, e são justamente essas experiencias que ampliam a nossa visão do todo, portanto, siga a sua estrela, não tenha medo dos seus desejos, e sempre, absolutamente sempre, procure saber quem é, para além do que pensa ser.

NCOS7200Por fim, quero deixar uma poesia de Edson Marques, interpretada por Abujamra, que define muito bem esse texto que acabei de escrever. Mude!